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Tiago Alves Costa

Diário - Fragmentos

Compostela / Coruña, no comboio. É incrível como todo o meu semelhante que aqui vai sentado de viagem, vai ocupado: são telemóveis, ifhones, ipads, portáteis...Um infindável rol de objectos que ocupam, que distraem o homem transformando-o num ser individualizado, domesticado, robotizado, rotineiro, solitariamente embezerrado neste seu mundo, o mundo cósmico da virtualidade; num prometido progresso sem cheiro, sem vento, sem chuva, sem alma (...) E eu aqui vou, de bloco e caneta na mão, com a minha umbilical e instintiva curiosidade pela vida, a comtemplá-la, a lê-la, e a pensar que o livro, o da vida, é daquelas "ocupações" que devemos obrigatoriamente auto-impor, não só por uma necessidade higiênica mas também e para talvez assim, iniciarmos a viagem ao nosso interior partindo da matriz telúrica.


e se for à janela de um comboio...


Solidão

apertei
aqueles sapatos
de saída
tão meus
abotooei
uma camisa
sem botões
de cetim
branco
o casaco
arrumado
sorriu-me

penteie
sem espelho
a alma,
no silêncio
olhei à janela
da calma

- não chovia -

inspirei
e saí...

quando cheguei
já ela me esperava

impaciente e voluptuosa

trazes dinheiro?


Ao livro W.C constrangido:

Aproveitei a tarde do domingo para ler con calma o wconstrangido do meu caro Tiago. A composición fai boa xustiza a aquilo que nalgún dos mellores momentos de Stalin proclamou: "o poeta debe ser o enxeñeiro da alma". Do wconstrangido florecen aqueles elementos que fan vibrar a alma dos bos e xenerosos, dos que arelamos a necesidade de mudanzas nun mundo eternamente agradecido aos escasos xestos de humanidade e excesivas pleitesías ao capital. En definitiva, chégame coma unha bocanada de ar fresco para seguir afrontando con solvencia o debate escatolóxico en beneficio dun mundo xusto. En "diálogos do noso tempo" vexo un Tiago, aquel Tiago que rexurdía con inocencia, máis cargado de verdade e retranqueiro naquelas tardes de domingo ou noites antes/despois da cea no piso da rúa monelos, 3ºF após unha forte deserción sobre os temas de actualidade política. É un pracer encontrarme con esa retranca e esa frase solta, que por naïf, non deixa de estar cargada de humanidade e poder dialéctico.

Iago Figueiras


Que lhe falassem de futebol!

(...) dizia ele que dessas coisas não entendia: de políticas, de filosofias, de artes, de poesias, isso é muito prá minha cabeça, que lhe falassem – arremessou um olhar - olhe, que me falassem, por exemplo, de futebol! isso sim, isso entendia ele, falemos filosoficamente de futebol! de estatísticas de futebol! de resultados de futebol! - falava agora com mais ímpeto - de foras-de-jogo e de nomes de jogadores de futebol! falemos da poesia no futebol! da arte do golo no futebol! isso sim, isso falo eu!! - concluía com um sorriso que denotava confiança - e na realidade ele gostava da coisa, não sabia bem porquê, mas gostava, era coisa que lhe dava condição, sobretudo na fala, fosse com que fosse, fosse onde fosse e que por ele passava a vida nisto, a vida toda! e se me pagassem...não pagavam, mas gostava, sabia da coisa, não sabia bem porquê, mas sabia, sabia que gostava, da coisa... agora filosofias e poesias, não, que lhe falassem de futebol! de resultados de futebol! da poesia no futebol!

Diálogos do nosso tempo

- Identifique-se, por favor.
Surpreendido, o homem, que por ali caminhava, aquiesceu. 
- Para onde vai? - interrogou o guarda, apontando com uma pequena lanterna para os documentos.
- Para onde vou?
- Sim, para onde vai!
- Matar-me.
O guarda olhou-o em silêncio.
- Matar-se?
- Sim.
- Onde?
- Ali, na ponte velha.
Novo silêncio.
- Importa-se que lhe faça um teste?
- Não.
O guarda retirou de um bolso um pequeno aparelho de plástico. 
- Vai fixar o olhar neste ponto...
- Neste?
- Nesse.
O homem olhou, concentrado, o aparelho durante alguns segundos.
- Chega?
- Um pouco mais...
O guarda recolheu então o aparelho. Olhou-o. Afastou-se, ligeiramente. Voltou a olha-lo. Apontou com a lanterna no homem e num tom mecanizado, mandou seguir. 
O homem seguiu.

O Crítico

Era o homem que criticava:

era no comboio
era no trabalho
era no café
era na farra

criticava
criticava
criticava
criticava

e protestava!

e quando voltava a casa
embriagado de tanta crítica

criticava
criticava
criticava
criticava

e protestava!

a mulher dizia-lhe
anda pra cama...
e ele ia
mas criticava
criticava
criticava
criticava

e protestava!

e ia
e deitava
e sonhava
sonhavaque protestava
que criticava
que protestava
que sonhava
que protestava
que criticava
e a mulher dizia-lhe
cala-te, homem... 
e ele calava
mas sonhava...

sonhava que protestava!

que criticava
e que calava.

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